terça-feira, 22 de julho de 2008

Dinamitar um paiol de bobagens



Em um passeio ao subterfúgio digital, contemplei a seguinte afirmação: "A arte não precisa ser didática." Parei um instante e refleti. Mas a arte não pretende ensinar algo? Embrenhar-se por matas desconhecidas e assim domá-las? Não é a arte um saber? Como pode ser a arte desprovida de didática? Não nos ensinam 'arte' nos primeiros anos primários? Não temos no corrículo escolar 'educação artística'? Então nossas espectativas de arte se dissipam assim, ao simples e hipócrita cabresto que nos impõem conceitos fajutos...

A arte realmente não é didática. Por quê? Porque simples e puramente não precisa ser. Nós não compreendemos a arte como algo imposto e aceito como a matemática. (Se bem que esta também de certa forma acaba sendo arte, mas com os artifícios do empirismo, da comprovação). A arte é criação de cada um, refletida e absorvida pela interpetração do outro. Não somente arte o quadro Abapuru de Tarsila do Amaral. É também igualmente arte a arquitetura. Onde está aí o senso didádico? A arte apenas instiga, confunde, cria espantos e reflexão. O que Tarsila quis representar nesta enigmática figura antropofágica? Talvez só Deus saiba... Mas ela cria espasmos, cria um novo, o diferente. E o que nos ensina a bela arquitetura de uma Igreja do Rito Oriental? Inspira-nos, mostra-nos ares de grandiosidade. E assim constrói-se arte: aspiramos reflexão, viajamos aos campos líricos do autor ou aos nossos próprios sentidos de percepção. Se faz diferença a arte em nossas vidas? Talvez não tenhamos consciência de sua existência. Mas só pelo fato de pensarmos já estamos contribuindo para a construção da arte. Se o Abapuru de Tarsila não o comove, tudo bem, talvez seus sentidos sejam aguçados por outro tipo de manifestação. O importante é causar reflexão. Se uma letra de funk causa isso, ou o pagodinho dos domingos com churrasquinho de gato o faz pensar em amores platônicos, então este é seu encontro com a arte. O relevante é dinamitar o rol de bobagens. A percepção de belo é diferente em cada um. Mas a de bobo com certeza é a mesma. Pena alguns viverem em seu paiol de bobagens, dizendo-se criadores de uma arte mediana e sem fundo reflexivo, arte pela arte não é arte. Nada nesta vida é em vão ou por obra desmedida do acaso. Em tudo, em todo plano, há um fundo. E se o fundo da arte é apenas divertir, então não sei mais em que furna, em que sisma ou porão obscuro adormece a arte... E se pretende a arte ser lecionada com o cabresto da didática, não há mais como dinamitar este paiol de bobagens que se ensinam por aí... A arte constrói, enriquece, pois crescimento por crescimento não vale nada. O importante é desenvolver-se, manifestar-se. Se dizem por aí que a televisão é arte, não nego, ela possui seu tom cultural. Mas não acredito que a TV como arte tenha a exclusiva competência da distração. Arte pela arte, de quê vale? Se arte triste, se alegre, se de repúdio, reconquista, procura, tédio... Só não vale arte sem alma... DINAMITAR UM PAIOL DE BOBAGENS!

Nenhum comentário: